quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Mãe África

Maternidade na literatura africana: Mãe África
Por: BIBIAN PÉREZ RUIZ


Na cultura africana, a maternidade ocupa um lugar de honra e é a mais alta expressão da condição feminina. A literatura e a narrativa africanas, por isso, centram-se no tema pela mão de uma geração nova de escritores que examinam as bases antropológicas e culturais da maternidade e aprofundam o impacto das personagens maternas em África.

Em muitas sociedades africanas, a identidade como mulher é determinada pelo facto de ser mãe. É frequente que o parentesco se forme com base nas relações que se estabelecem pelos nascimentos, mais do que pelos vínculos matrimoniais, sendo os laços mais importantes os derivados da linha materna. Nesta perspectiva, as mães africanas podem ser classificadas de poderosas, particularmente em sociedades matriarcais, onde a mulher é reverenciada como dadora de vida, garante da ligação com os antepassados, portadora da cultura e centro à volta do qual gira a organização social.

As crianças são, por sua vez, entendidas como a riqueza da sociedade e dá-se-lhes um enorme valor, dado que não constituem somente capital humano, mas também a segurança social dos seus pais na velhice, bem como continuadoras do clã familiar. Todos os membros da comunidade são, em maior ou menor escala, responsáveis pelo desenvolvimento da criança num contexto em que o comportamento individual é julgado em função do bem que uma pessoa proporciona à sua sociedade.

Prova desta centralidade da criança nas sociedades africanas é a profusão de provérbios a seu respeito: «Quando tens um filho, ele não é só teu filho, mas também filho da comunidade.» «Os nossos filhos são as nossas melhores sementes e os nossos campos mais queridos.» «Se queres salvar conhecimentos e fazer com que eles viajem através dos tempos, confia-os às crianças.» «Um filho é como uma piroga: se tens um, um dia far-te-á passar o rio.»

Maternidade e fertilidade

A forte necessidade de descendentes contribuiu para a institucionalização da maternidade através de ritos de fertilidade, tabus a crenças que adquiriram significação religiosa. Do mesmo modo que a maternidade confere um estatuto distintivo às mulheres africanas, a paternidade funciona de maneira similar para os homens, já que não tem cabimento na sociedade africana um homem casado sem filhos, convertendo-se, na maioria dos casos, em objecto de troça e desaprovação.

Não ter filhos e não poder imortalizar os antepassados é uma vergonha tal para o homem africano que lhe é extremamente difícil assumi-lo, daí que a infertilidade se tenha interpretado socialmente como um problema exclusivamente feminino. Uma representação literária desta problemática pode ser encontrada na novela O Ventre do Atlântico (Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004), da senegalesa Fatou Diome.

Na maioria das sociedades africanas, os filhos que uma mulher tem passam a pertencer, mediante o matrimónio, à família do marido. Este é um dos motivos pelos quais se deve pagar a lobola, o preço da noiva, à família desta para garantir o direito sexual exclusivo do marido sobre a esposa, assim como o controlo sobre os filhos que possam nascer como fruto desta união.

E o matrimónio africano é mais do que uma relação de duas pessoas, pois trata-se da instituição que consolida o vínculo entre os grupos. O que realmente importa são os filhos que nasçam desta união, função primordial a que toda a mulher deve aspirar. As mães africanas foram sempre um modelo de coragem, inteligência, resistência e responsabilidade, dedicadas a assegurar a sobrevivência dos seus, inclusive em circunstâncias extremas e, simultaneamente, desempenharam um papel essencial na importante tarefa de tentar humanizar tanto os seus descendentes directos como o mundo que as rodeia.

Desta forma, as mães converteram-se em portadoras da sua cultura e incumbidas de firmar bases sólidas nos seus filhos que lhes permitam entender e definir a sua própria humanidade à margem das imagens do africano, em situações pejorativas, construídas a partir do pensamento ocidental. As cinco funções básicas de uma mãe africana são: ter filhos, cuidar deles, acompanhá-los, provê-los de tudo o que precisem e educá-los. Não obstante, este protagonismo da mãe não implica que uma jovem esposa vá ter uma vida fácil, pois desde o casamento ela deverá adaptar-se à sua nova família política, com a qual viverá, além de recair sobre os seus ombros a tarefa de, em momentos difíceis, alimentar os seus filhos.

Só com o tempo consegue tornar-se a primeira esposa, no caso de sociedades poligâmicas, e pode exercer autoridade sobre as mais novas ou na sua ancianidade obterá a valorização social que pode almejar na sua sociedade através do papel materno. Ainda assim, apesar das dificuldades da vida quotidiana, a maternidade como instituição é enormemente poderosa e exaltada na sociedade africana.

Figuras maternas na literatura

Nas décadas de 1940 e 1950, surgiu a Negritude, corrente ideológica de reacção ante a hegemonia branca, que pretendia afirmar e reivindicar a identidade negra, o seu passado e os seus valores próprios. Os seus principais ideólogos foram Léopold Sédar Senghor (1906-2001) e Aimé Césaire (1913-2008). Um dos frutos mais conhecidos desta corrente de pensamento foi a figura da «mãe África», conceito consistente em considerar a mulher africana como metáfora da mãe pátria e guardiã idealizada da tradição, numa tentativa de construir uma identidade africana sólida procurando alicerces estáveis sobre os quais assentar os novos Estados independentes africanos que surgiram na década de 1960.

Senghor representou a África como uma mulher/mãe, com o objectivo de enaltecer o africano e contrariar a percepção que no Ocidente se tinha da mulher africana: ante a concepção da africana selvagem, ele apresenta-nos um ser cálido, sensual e cuidador.

Posteriormente à Negritude sobrevieram vozes críticas que questionaram diferentes aspectos deste movimento, entre os quais a representação das mulheres africanas como seres idealizados, irreais e sem problemas, já que com esta imagem distante da realidade se estava a neutralizar qualquer esforço de mudança real nas suas vidas. As maiores críticas que esta corrente ideológica recebeu vieram da África anglófona.

A esta corrente de vozes discordantes com os postulados da Negritude unem-se as do que podemos denominar «feminismos negros», os quais procuravam alterar a percepção ocidental da mulher africana – como eterna vítima inocente, incapaz de se defender sozinha e necessitada de ajuda ocidental – que criavam uma imagem idealizada e de superioridade das mulheres do Primeiro Mundo.

No entanto, a «mãe África» de Senghor foi criticada não só em África mas também no Ocidente. Uma das posturas mais radicais neste sentido será, provavelmente, a que Florence Stratton evidencia em African Literature and the Politics of Gender (1994), onde sustenta que, através da idealização da mulher africana, o escritor se esquece da situação real em que estas vivem, mascarando assim a subordinação que padecem nas suas sociedades, maioritariamente patriarcais.

Relações materno-filiais

A dinâmica de poder dentro das sociedades africanas constitui uma das principais preocupações presentes nas novelas de autoras africanas de finais do século xx e começos do xxi. As relações familiares nas sociedades pós-coloniais patenteiam um nível de tensão, de conflito e de stress crescente, principalmente entre gerações diferentes, estando algumas das suas manifestações associadas às relações materno-filiais ou ao ataque a mitos e crenças relativos ao amor maternal.

Na década de 1980, autoras africanas anglófonas, como Buchi Emecheta e Flora Nwapa, exploraram já os deveres e gratificações maternos, assim como a sua obrigatoriedade socialmente imposta. A novela de Emecheta As Alegrias da Maternidade(Lisboa: Editorial Caminho, 2000) revelou como em África a identidade feminina é determinada pelo facto de ser mãe e desmistificou a carga unicamente positiva ligada à maternidade.

As heroínas da escritora nigeriana Flora Nwapa contribuíram, por seu turno, para questionar, de modo similar, esta idealização da maternidade biológica, propondo fórmulas alternativas igualmente válidas, gratificantes e úteis, tanto para as personagens femininas como para toda a comunidade.

Não obstante, se é certo que estas autoras abordaram este tema a partir da perspectiva das mães, não se ouviram vozes que o tivessem feito desde o ponto de vista das filhas até há poucos anos. As escritoras actuais estão a mostrar que a maternidade perfeita não existe, expressando-o através de relações mãe-filha tensas e até traumáticas.

Encontramos exemplos disto em novelas como The Housemaid (1998) – da ganesa Amma Darko – ou na curta história da também ganesa Ama Ata Aidoo The Girl Who Can(1992). Nestes textos, a filha revolta-se, em maior ou menor medida, contra a mãe; a mãe é incapaz de apoiar e proteger a sua filha adequadamente, existem conflitos geracionais e, por isso, sobrevém a necessidade de a filha se separar da mãe.

Não obstante, a narrativa feminina africana, com histórias que abordam esta questão inscritas no contexto de um mundo em mudança, pretende realçar tanto o potencial construtivo como o destrutivo que o vínculo materno-filial tem para mães e filhas. Juntamente com mães e avós protectoras e próximas, encontramos, em simultâneo, noutras obras, estas mesmas personagens representadas por seres abusivos.

As autoras africanas não tentam idealizar o universo feminino e, portanto, não têm dúvidas em deixar transparecer os defeitos e debilidades das mulheres, a exploração por parte daqueles que estão a seu cargo, assim como a sua participação na perpetuação de sistemas patriarcais e neocoloniais.

Mãe poderosa

Tanto na literatura como na vida temos visto que a mãe africana é poderosa, mas, quando a maternidade é vivida de forma obsessiva e exclusiva, acaba por transformar estas mulheres em vítimas. Existe ainda outra manifestação mais extrema da associação entre maternidade e poder, designada por Carol Boyce Davies como «mãe suprema», representação simbólica da tradição presente nas obras do escritor nigeriano Chinua Achebe.

O nome mais frequente em ibo para a mãe é Nneka, que significa «mãe é suprema». Na novela de Achebe Quando Tudo se Desmorona (Lisboa: Mercado de Letras, 2008) sugere-se que, para sobreviver num futuro tão diferente do mundo tradicional, devem combinar-se as qualidades masculinas e femininas de maneira harmoniosa: Okonkwo, protagonista desta novela, não aceita, todavia, este respeito tradicional pela mãe, pelo que padecerá consequências nefastas.

A meu ver, não é absolutamente nada casual que a primeira novela escrita em inglês por uma autora africana negra, Efuru (1966) – da nigeriana Flora Nwapa – aborde a questão da maternidade, tão crucial nas culturas africanas. Este texto estatui que se pode viver uma vida plena sem ser mãe, que existem alternativas à maternidade biológica passíveis de fazer a mulher igualmente valiosa para a sua comunidade, ainda que de forma distinta da habitual.

A maternidade apresentava-se, normalmente, como requisito crucial para alcançar a felicidade e, no entanto, Flora Nwapa nas suas novelas Efuru (1966), Idu (1970) e One is Enough (1984) aborda este tema a partir de um novo prisma ao exibir personagens femininas assertivas que, mesmo vacilantes em certas ocasiões, dado que a sociedade não as considera mulheres completas se não forem mães, evoluem e obtêm êxito apesar de não terem filhos. Nwapa propõe uma maternidade alternativa à biológica, demonstrando que cuidar e proteger os membros da comunidade não é património exclusivo das mães.

Outro tipo de personagem materna, classificada como «mãe escrava» por Boyce Davies, seria constituído por aquelas mulheres que se sentem aprisionadas na sua maternidade. É o caso de Nnu Ego, protagonista da novela de Buchi Emecheta As Alegrias da Maternidade, que não se preocupou, ao longo da sua vida, consigo mesma nem em estabelecer relações sociais, centrando todos os seus esforços em ser mãe. Quando se dá conta que isto foi um erro, já é demasiado tarde para o remediar.

A escritora institui na novela um paralelismo entre a vida de uma escrava e a de uma mulher. Ainda assim, a personagem de Ona, mãe de Nnu Ego, suscita uma alternativa aos ditames da tradição ao rejeitar o matrimónio e ser feliz apesar disso.

A tragédia que esta obra descreve é a de uma mulher que se restringe unicamente ao seu papel de mãe, seguindo a tradição, mas que se escraviza com ele: Nnu Ego é vítima permanente da maternidade, primeiro por não ter filhos e depois por ter muitos, o que não correspondia ao que ela tinha imaginado, acabando os seus dias frustrada e só.

O leque de relações materno-filiais que encontramos na narrativa feminina africana é, contudo, muito mais vasto, rico e completo do que aquele que brevemente mencionámos até agora, dado que os referidos vínculos materno-filiais, umas vezes estreitos e outras violentos, se constroem sobre a base de presenças femininas sanadoras e protectoras ou então denotam ausências maternas tão dolorosas que deixam sequelas irreversíveis.

A maternidade africana reflectida na sua literatura é rica nas suas várias manifestações, complexa, protectora ou ameaçadora, mas sempre fascinante e, por isso, convida-nos a submergir-nos na sua leitura enquanto reflectimos sobre as nossas próprias vidas no seguimento do que descobrimos nestes textos que não nos deixam, de todo, indiferentes.


Fonte:

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Guiné-Bissau

Conhecida por sua lealdade, gentileza, honestidade, respeito pelo outro e, sobretudo, pelos mais velhos, a etnia Bijagó é um grupo de referência na Guiné-Bissau – país que abriga em seu pequeno espaço geográfico (36.125km²) cerca de 30 grupos étnicos. Esta etnia dá nome ao conjunto de 80 ilhas que formam o Arquipélago dos Bijagós. Único arquipélago deltaico da costa oeste africana, classificado em 1996 pela UNESCO como Reserva da Biosfera, os Bijagós representam 70 por cento da população que ali habita e o modo de vida que eles desenvolvem em harmonia com a natureza explica o seu estado de conservação.

João José Utiron, em seu trabalho intitulado Inter-relações entre linguagem, cognição e cultura: Os acordos interpessoais em bijagó, relata que a origem do termo bijagó seria na verdade uma corruptela do termo original aujôco que quer dizer indivíduo ou pessoa, em oposição aos animais irracionais. E que os prováveis suspeitos de promover essa incorrecção teriam sido os portugueses, visto que todos os outros grupos sociais guineenses denominam os Bijagós de unsongron, vocábulo que faz referência à ideia dos traços identitários do grupo: indivíduos de grande porte, robustos, gigantes, valentes.

A sociedade Bijagó é estruturada em faixas etárias, desde tenra idade as pessoas são divididas como tal. Para cada grupo etário existe uma denominação - diferente para homens e mulheres – e cada um se caracteriza por uma indumentária, músicas e danças definidas, sem contar com o trabalho produtivo inerente a este grupo. Existe também uma relação de respeito e obediência total àqueles que lhe são superiores, ou seja, os mais velhos.

A origem de tudo

…e tudo começou assim: Deus, o Criador, existiu sempre, e no início, da vida foi criada a primeira ilha - a ilha de Orango - que era o mundo. Mais tarde chegou um homem e sua mulher, de nome Akapakama. Eles tiveram quatro filhas a que deram os nomes de Orakuma, Ominka, Ogubane e Oraga. A seguir surgiram os animais e plantas.

Cada uma das filhas de Akapakama teve por sua vez, vários filhos, os quais receberam, por parte do avô, direitos especiais. Os de Orakuma receberam a terra e a direcção das cerimónias nela realizadas, bem como o direito de fazer as estatuetas do Irã[i], tendo sido a primeira executada por Orakuma e feita à imagem do Deus. Este direito seria também dado por Orakuma às suas irmãs.

Os de Ominka receberam o mar e passaram a ocupar-se da pesca. Os de Oraga receberam a natureza com as bolanhas e as palmeiras, o que lhes daria a riqueza. Os de Ogubane receberam o poder da chuva e do vento podendo desencadeá-los, controlando assim o suceder das épocas da seca e da seca e das chuvas. Assim, as quatro irmãs desempenhavam funções diferentes, mas que se complementavam.

Esta é a lenda da origem do mundo segundo os Bijagós; o extracto do trabalho Guiné-bissau - Aspectos da Vida de um Povo de Eva Kipp mostra-nos a importância atribuída às mulheres naquela sociedade e pode assim explicar o facto de muitos considerarem esta sociedade como sendo um matriarcado.

O termo matriarcado deriva, respectivamente, do latim e do grego, onde mater faz referência à mãe earchein (arca) a governar, reinar. Assim sendo, a sociedade dita matriarca é o tipo de sociedade onde o poder é exercido pelas mulheres, em especial pelas mães; o facto de dar à luz confere à mulher o estatuto mais elevado da hierarquia familiar.

Poucas sociedades no planeta são matriarcais. Um exemplo vem do noroeste da Índia, de um povo chamado Khasi. Nesta sociedade o sobrenome que identifica uma família vem da mãe (matrilinearidade) e é somente através das mulheres que o clã se perpetua. Assim sendo, as mulheres são as únicas herdeiras. Sua superioridade em relação aos homens é tal que, no caso de uma família não ter condições para oferecer a todos os seus filhos a oportunidade de ir à escola, a preferência é dada às meninas, ficando os meninos analfabetos.

O sócio-antropólogo Raul Fernandes acredita que a sociedade Bijagó não é matriarcal. Segundo ele, o sistema patriarcal exerce-se diferentemente em várias partes do mundo e, no caso dos Bijagós, há algumas particularidades na forma como o patriarcado acontece; que está estritamente ligado ao grau de estruturação que as mulheres Bijagós têm e que se deve, em grande medida, à forma como elas se organizam, ou como a sociedade organizou o seu processo de socialização.

“As mulheres mantiveram entre si certas formas de transmissão do saber e de organização da sociedade muito ligadas à idade mas também às formas de cerimónias e ao religioso. E isso dá uma certa coesão ao grupo das mulheres que conseguem ganhar uma autonomia cerimonial e religiosa, e faz com que elas possam estar presentes nas suas relações com as entidades e outras formas de poder masculino numa situação de poder discutir direitos face-a-face.”

Nos Bijagós, o religioso é exercido tanto por homens como por mulheres e estas não precisam da intervenção dos homens para poder entrar em contacto com o sobre-natural. Não é como certas religiões em que a mulher não pode entrar na igreja ou então estão completamente cobertas ou são colocadas em papéis secundários.

Na sociedade Bijagó, a mulher tem poder para decidir como é que se faz a cerimónia, quais os rituais, para que fins, em que momento e é seguida por um grupo de mulheres que, durante um certo tempo, não se dedicam ao trabalho produtivo ao qual estão tradicionalmente destinadas mas a si próprias. Entre si discutem o que acharem conveniente, dentro de determinadas regras sociais que são postas aos Bijagós, mas só entre si; e isso por vezes pode levar meses. O tempo, só elas é que decidem.

Assim, é importante citarmos o rito de iniciação feminina chamado de cerimónia de Dufuntu [ii](Orbok, em bijagó). As jovens entre os 17 e os 25 anos recebem a reincarnação da alma de uma pessoa que já faleceu e esta transformação simbólica das mulheres em homens é mencionada, pelo sócio-antropólogo, como uma forma de apropriação do poder dos homens e da sua utilização para um maior equilíbrio entre os poderes masculino e feminino. Ainda durante esta cerimónia, as jovens recebem ensinamentos para a vida futura que lhes são transmitidos pelas mulheres grandes da tabanca [iii]; não se pratica excisão.

Segundo Raul Fernandes, as pessoas confundem o matriarcado e a matrilinearidade; que são duas coisas distintas. O que acontece na sociedade Bijagó é que as filhas, mesmo depois de casadas, permanecem próximas das mães porque quem atribui estatuto de família é a mãe pela linha uterina (matrilinearidade). Esta ligação é mais forte entre a mãe e a filha visto que, diferentemente do que acontece na patrilinearidade - onde as mulheres a partir do momento em que se casam saem do seu círculo familiar original e passam a ser membros da família do marido, sujeitas às regras da casa do marido –, a filha não se distancia muito da sua mãe.

Se a lealdade, gentileza, honestidade e o respeito pelo outro, tão próprios do povo Bijagó, tem a ver com a forma como esse povo se organiza, dando uma posição de destaque às mulheres, o que talvez não seja possível de provar mas é um factor incontestável. Quem conhece os Bijagós não deixa de se apaixonar, pelo povo e pelo lugar em que ele se estabeleceu. Visitá-los é comprar passaporte para lá voltar. Não há como não se orgulhar do povo e, principalmente, das mulheres Bijagós.


Fonte:

http://www.buala.org/pt/a-ler/bijagos-sociedade-मत्रिअर्कल



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